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A vontade foi disparada pelo habitar do espaço inédito, que havia sido uma circunstância especial acordada entre os artistas participantes do projeto de ocupação do apartamento (E se a gente ficar? Pinheiros SP, 2022). Instintivamente escolhi o quarto principal como novo habitat e me residi a ficar sobre a cama durante a minha estadia. Naturalmente surgiu a vontade de explorar melhor a conexão do meu corpo com a pintura, agora este sendo protagonista atual do processo. Eu iria pintar à partir do meu corpo e não usar a forma da memória.
Durante o processo, lembranças corpóreas, afetivas e carnais foram evocadas pelo gatilho da cama. A memória da pintura de atelier também estava presente. Contudo, inconscientemente, segurar o pincel era mimetizar um movimento e ação nunca antes aprendidos por mim: o corte do bisturi. A sensação era cirúrgica. De ser paciente e médica ao mesmo tempo. Fui atingida pela memória involuntária da herança matriarcal, das cirurgias gástricas realizadas pelo meu avô, seu pai - as quais eu nunca havia testemunhado.
Incorporei uma sensação de ser cirurgiã, de cortar para iniciar, cortar para descobrir. Busquei a forma do corpo, assim como o espaço entre as matérias, entre as costelas, e assim queria achar o próprio osso, músculo. Meu corpo era o território, o tecido era pele e o pincel, faca. A cama se tornou palco de uma busca para achar o corpo através das linhas gestuais, afetivas, cortantes.
A linha de corte é descoberta e afirmação ao mesmo tempo. A ação separa matérias, define fronteiras e confirma localização. O vão é pulsante. O ato acontece aqui e a ruptura é agora.
Julia Pereira, 2022
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